quinta-feira, 1 de abril de 2010

Chico Xavier o Filme



A cena de abertura tem fôlego e sopra os bons ventos de uma narrativa que parece fadada ao sucesso e a recordes de bilheteria. A figura de Chico Xavier aparece pela primeira vez no filme recoberto pelos olhares quase devotos das pessoas que, se não entendiam, acreditavam e, se não acreditavam, davam a ele o benefício e o mérito da dúvida. Numa sala fechada, o personagem cético de Tony Ramos dá as ordens: "fecha na câmera 2, abre para o público, close no entrevistado". O diretor orquestra um programa de TV chamado Pinga Fogo, o mesmo que, em 1971, deu visibilidade nacional para aquele que já era o médium mais popular do Brasil. Mas eis que logo entra em cena o primeiro flashback e com ele somos convidados pelo diretor Daniel Filho a uma narrativa de eletrocardiograma, cheia de pontos altos e baixos.
As inserções do esquema de perguntas e respostas do Pinga Fogo serve como elemento que costura o filme nos três períodos de tempo que ele usa para resgatar a história de Chico Xavier, homem que, se estivesse vivo, completaria nesta sexta-feira (2) seu centenário. Quando criança, ele é interpretado por Matheus Costa (rosto conhecido de novelas como Cobras e Lagartos e Três Irmãs). Na primeira fase adulta, quando ele assume sua mediunidade e passa a usá-la para ajudar as pessoas, o ator é Ângelo Antonio.
No terceiro momento, aí sim já na imagem a qual o brasileiro se acostumou quando se falava de Chico Xavier, o personagem assume o corpo do ator de mesmo sobrenome: Nelson Xavier, em uma daquelas interpretações inquietantemente semelhantes ao personagem real (algo que, no cinema brasileiro, só aconteceu antes com igual intensidade quando Daniel de Oliveira se vestiu de Cazuza em 2004).
Os momentos biográficos do filme, todos baseados no livro As Vidas de Chico Xavier, do jornalista Marcel Souto Maior, são acertados no que diz respeito aos recortes de tempo, que tentam criar um panorama emotivo das motivações, frustrações e crenças pessoais que construíram o caráter de Chico Xavier.
Anexa a essa biografia, os personagens de Tony Ramos e Christiane Torloni, pais que perderam um filho adolescente, criam o elo entre os mais habituais sentimentos entre o público e Chico: ora de incredulidade, ora de reverência e quase sempre de uma intrigante curiosidade. Ele no papel do agnóstico e ela no papel de mãe. E, por mãe, entenda-se não apenas um laço familiar, mas uma religião própria, apegada a qualquer possibilidade em reaver sua ligação umbilical com o filho morto.
Tony Ramos e Christiane Torloni comportam toda a carga dramática que liga a memória do brasileiro sobre Chico Xavier, e muitas vezes imprimem tamanha tensão ao drama que se tem a constante sensação de que os personagens estão implodindo a cada vez que respiram. Aliás, inevitável ligar a personagem de Torloni à experiência da própria atriz, que perdeu um filho e que parece aqui exorcizar dramas que estão bem além de uma interpretação técnica.
Tendo todos esses méritos postos e enunciados, o filme peca - um pecado que não é religioso, mas sim criativo - quando tenta criar uma biografia combo família, com elementos de drama, suspense e comédia que muitas vezes são acionados como quem aperta um botão para lembrar que, como qualquer cinemão, a intenção aqui é divertir acima de tudo. Diversão não é ruim, nunca foi, o problema acontece quando, dentro do cinema, você se faz ciente de como ela é postiça, de maneira tal que faz o espectador se descolar do drama que deveria o consumir quase que irracionalmente.
Pesando contra também existe um tom particularmente brega em algumas passagens. Há uma cena bucólica que te deixa com uma sensação de déjà vu daquelas paisagens de gramas e pequenas quedas d'água da novela A Viagem - lembram dela? Aliás, é bom frisar que, em qualquer ocasião da dramaturgia, criar uma cena com quedas d'água é um risco que os diretores não deveriam correr.
No mesmo tópico, testa franzida também para a indumentária meio romana, meio jedi do guia espiritual de Chico Xavier, Emmanuel, e suas interferências de oráculo que soam como um filme de ficção científica. A trilha sonora de Egberto Gismonti, que costuma acertar, também não ajuda com seus "sobe-sons" ora angelicais, ora épicos.
Relevando-se esses pontos mais baixos do já citado eletrocardiograma, Chico Xavier é um filme que cumpre com a promessa de dar eloquência ao personagem biografado, uma figura que, certamente, moverá multidões aos cinemas. A lembrar que, durante as conversas de coletiva de imprensa, não apenas Daniel Filho como os distribuidores de Chico Xavier fizeram questão de frisar que este não é um título posicionado como um filme religioso, mas sim como um filme biográfico sobre alguém que, era consenso, transmitia uma estranha paz.

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